Ubirajáricos Um novo plano

- Pega uma cerveja pra mim também?

- "Quê?" Ela perguntou, como se não tivesse entendido. Esse artifício tão manhoso de fingir que não ouviu para ter mais dois segundos e processar o que se escutou é comum de cérebros preguiçosos ou de pessoas que não tem o ID e o Superego ajustados para tomar uma decisão simples.

- Pega uma ce...

- Tá. To indo.

"Tá-to-indo?" Que resposta foi essa?

Ela sabia muito bem o que tinha que fazer. Há séculos o gesto símbolo da opressão feminina é repetido em lares e mais lares em todos os cantos do mundo ocidental: uma mulher trazendo uma cerveja para o homem. Aquela bebida de malte fermentado era como um troféu dourado trazido pela inferior mulher ao macho superior, dotado de todas as regalias por ser provedor.

"pelamordedeus", pensou, "ele é só um carinha pedindo uma cerveja para mim. Já que vou até o freezer, pegar uma gelada a mais não é problema... aliás ele inclusive pediu por favor. pediu? ou não pediu? por que, oras, se ele não pediu além de machista é um filha da puta maleducado".

"na verdade, talvez isso seja um teste. querem ver se eu sou dessas feministas panfletárias. querem ver se eu faço um showzinho, porque se eu fizer, eles vao dizer que temos direitos iguais e que por isso eu tenho que carregar sacos de cimento"

"mas.. se eu nao fizer absolutamente NADA a respeito vou estar concordando com ritual que se perpetua e simboliza o game over de todas as conquistas de minhas irmãs feministas. de que adianta o direito a voto, a licença maternidade e o direito a herança se sou eu quem vou até o freezer do mesmo jeito, desde sempre, como uma ovelinha que sabe que vai ser tosquiada e nada pode fazer".

"afinal confirmamos nossas crenças através dos rituais. não é só trazer uma cerveja, é concordar com todo um conjunto de esteriótipos e estruturas que enfraquecem o poder feminino através de uma única e cruel latinha. AHHHHHH porque você, minha querida cerveja, me coloca em tanta encrenca??"

"tenho que pensar rápido. tenho que demonstrar que não sou a favor do que está acontecendo. vou levar esta merda aqui mas quero deixar bem claro que não sou uma mulher submissa... Já sei!!"

- Olha, aqui estão nossas cervejas! Eu as trouxe, você as abre.

"Genial! golpe de mestre! estou o convocando para o trabalho em equipe! um show de igualdade dos sexos e cooperação!"

- Oun coitadinha não consegue abrir a garrafa. Deixa que eu abro para você. E sacou um abridor de garrafas de sua faculdade de engenharia. Mais previsível impossível.

- Oun mulheres. O que seriam delas sem nós?! Ria o desgraçado com seus amigos.

Ainda tive que agradecer com um "obrigada" mais do que entalado na garganta. O tiro saiu pela culatra e agora provo que não sei nem abrir uma garrafa de cerveja e dependo de um macho beta pra isso. Droga.